Eu sou uma pessoa racional. Sempre gostei muito de lógica e desde que me lembre busquei explicações que fizessem sentido racionalmente para qualquer tipo de decisão que eu tivesse que tomar. Talvez por isso que gostava tanto de ciência e acabei fazendo uma faculdade de física. Sim, acho que todos nós, que fizemos uma escolha desta um pouco incomum, temos nossos motivos pessoais para tê-las feito. O meu, eu sempre pensei que fosse a paixão pela descoberta e pelo desconhecido mas hoje acho que tem muitos outros motivos que eu nunca imaginei. De qualquer forma, quando esta escolha foi feita, eu imaginei que tinha todo o meu futuro decidido e que o único caminho para mim era estudar muito, me tornar pesquisadora e professora universitária. Eu me orgulhava em tentar andar um caminho que poucas mulheres em geral faziam.
Em muitos momentos cheguei a pensar que aquilo não era para mim. Que eu não era tão apaixonada pelo tópico assim e que nem era tão inteligente assim (pois haviam muitas pessoas *muito* inteligentes caminhando ao meu lado). Eu nunca me vi de verdade no papel do professor universitário. Eu sentia que aquela pessoa não era eu, mas se eu havia feito aquela escolha, precisava bancá-la. Fiz a faculdade. Estudei muito. Acho que foi o período da minha vida que eu mais estudei e trabalhei por alguma coisa. Continuei. Fiz o mestrado, o doutorado e depois o postdoc. Eu gostava muito da física que eu fazia, só que não me encaixava no estereótipo das pessoas ao meu redor, e não gostava das mesmas coisas que a maioria das pessoas que estavam lá gostavam.
Neste meio tempo minha vida pessoal também continuou… namorei, terminei, namorei de novo, fui embora do Brasil, morei junto, casei. Foram muitos anos de especialização e muitas experiências pessoais que me levaram até aquele lugar que eu me encontrava.
Eu tinha quase 30 anos, estava casada com planos de começar uma família. Queria muito ter filhos, e queria me estabilizar. O problema era o momento profissional que eu me encontrava. Para ser professora universitária, eu precisaria passar alguns anos fazendo postdoc em diferentes universidades para criar uma rede de pesquisa. Normalmente, vagas de postdoc duram 2 anos e faz-se alguns postdocs antes de conseguir uma vaga de professor. Foi neste momento que pensei que talvez fosse a hora de fazer algo diferente. Porque eu achei que não deveria desistir da vida que eu queria por causa da profissão que eu tinha escolhido. Eu queria muito ser mãe e ter uma família “normal”. Eu gostava da física, mas não tanto pra lutar por ela quando ela não se encaixava no mundo que eu queria pra mim. Eu queria ser mãe, eu queria ter uma família. Eu queria morar com o meu marido. E eu estava presa num mundo onde é normal que eu tivesse que abdicar destas vontades se quisesse continuar na área (quero muito falar sobre isso tb, mas vou deixar como tópico pra uma outra história). Eu acho que eu já sabia que este momento chegaria de um jeito ou de outro.
O ano de postdoc foi para mim um ano muito difícil pois eu sabia que se eu saísse da área acadêmica eu não conseguiria mais voltar. Ou era isso que eu acreditava: que era uma decisão final. E como tomar esta decisão de abandonar tudo depois de anos e anos de estudo? Foi só quando eu entendi que tudo que eu tinha vivido me dava bagagem pra continuar e escolher meu próprio caminho que eu entendi que esta escolha já tinha sido feita há muito tempo. E toda aquela experiência técnica que eu tinha com desenvolvimento de um software específico (que eu tinha trabalhado durante todo o meu doutorado) poderia ser usada para desenvolver outros projetos em outras indústrias ou área. Eu saí. E durante os anos que seguiram eu descobri que eu trabalhava bem com pessoas, que eu era criativa, não era muito boa em estratégia, mas era ótima em colocar idéias em prática e principalmente que, a minha experiência mais técnica me trazia uma vantagem muito grande no contexto corporativo: fácil aprendizagem e adaptação. Acho que hoje consigo me colocar num contexto profissional muito variado, o que é de extrema importancia considerando a vida pessoal que escolhi seguir. Acredito agora que o caminho em si é muito mais importante do que o prêmio da chegada (existe prêmio na chegada?) e que a educação e o aprendizado são os meios que podem nos levar aonde quisermos.